Project texts and introductions by :
Stephanie Pommez
. Danilo Santos de Miranda . Milton Hatoum

Há poucos anos, quando viajava pelos rios do médio Amazonas e conversava com ribeirinhos sobre a lenda de uma cidade encantada no fundo das águas, conheci uma mulher que se dizia “Mãe do mundo”. Era uma parteira. Ela visitava palafitas isoladas onde moravam mulheres – às vezes, muito jovens, quase meninas – que iam dar à luz.

Nesse labirinto fluvial, onde uma maternidade ou posto de saúde é uma miragem ou mera ficção, as parteiras são, de fato, mães do mundo. Elas herdaram um saber secular de suas ancestrais indígenas, a quem devem o conhecimento de rituais, mitos, plantas medicinais e superstições. Mas é a premência da vida que transforma essas parteiras em figuras emblemáticas e meio mitológicas da Amazônia. Além de fazer o parto, elas assumem por alguns dias o trabalho doméstico, contam histórias e cantam para as crianças, preparam infusões com ervas da floresta, enterram a placenta no quintal para evitar que os animais a devorem e, num gesto ritualístico, “fecham o corpo” da mãe que acaba de dar à luz.

Hábeis e pacientes, as parteiras “têm olhos nas pontas dos dedos” e são dotadas de tato e intuição poderosos no lento e laborioso processo que culmina no nascimento de um ser humano. O documentário de Stephanie Pommez dá voz a essas mulheres da Amazônia. Elas falam sem alarde, mas com convicção sobre um trabalho literalmente vital,

 

 

que a imensa maioria dos brasileiros desconhece. Em uma das fotografias de Stephanie aparece um cordão umbilical; em outra, um cipó retorcido. A semelhança entre essas duas imagens – um elemento da floresta e o órgão que nutre o feto – enlaça simbolicamente a vida à natureza. Ambas são inseparáveis, como revela essa bela exposição sobre o trabalho e a vida de mulheres na Amazônia.

Milton Hartoum